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Recensões

James D. Faubion e George E. Marcus (orgs.), Fieldwork Is Not What It Used To Be: Learning anthropology’s method in a time of transition.

Carlos Barradas e Rita Serra
p. 199-201
Referência(s):

James D. Faubion e George E. Marcus (orgs.) (2009), Fieldwork Is Not What It Used To Be: Learning anthropology’s method in a time of transition. Ithaca, NY: Cornell University Press, 231 pp.

Texto integral

1Como se aprende a fazer trabalho de campo? Momento canónico na consolidação do trajecto pessoal e profissional do antropólogo, o trabalho de campo é considerado o rito de passagem na transição da juventude para a idade adulta. Se a tradição ainda é o que era, e, em certa medida, é‑o com toda a certeza, aquela prática metodológica é o garante de um marcador antropológico de pertença à categoria estudantil e profissional. E tradicionalmente, aprende‑se fazendo.

2Contudo, a asseveração contínua do paradigma Malinowskiano tem sido ciclicamente colocada em causa, principalmente pelo surgimento de novos temas e campos de pesquisa que apelam à multidisciplinaridade e a abordagens simultaneamente locais e translocais para a compreensão de situações complexas. Aferir as barreiras, constrangimentos e recuos, mas igualmente novas (re)combinações e possibilidades da articulação entre esse paradigma, a antropologia e outras epistemologias ao seu redor são alguns dos motivos que subjazem a esta obra.

3Fieldwork Is Not What It Used To Be: Learning anthropology’s method in a time of transition, é, de certo modo, uma actualização de Writing Culture, editado por George Marcus há cerca de três décadas e cuja colecção de textos, de antropólogos de referência, reflectiu as ansiedades decorrentes das alterações à prática do trabalho de campo num sistema mundo pós‑colonial. A colectânea de ensaios que aqui revemos, apresentada por antropólogos da Universidade de Rice, ambiciona igualmente ser um ponto de inflexão na conceptualização metodológica da antropologia. Pretende adaptar os métodos e técnicas de investigação tradicionalmente associados em exclusivo à antropologia a essas “novas composições da matéria” (p. viii) como, por exemplo, os Science and Technology Studies (STS). Estes são mote recorrente ao longo do livro, fundamentalmente por duas razões: i) a maioria dos temas de pesquisa antropológica apresentados englobam aspectos de ciência e tecnologia; ii) a aproximação dos STS à prática antropológica abre possibilidades de colaboração e de repensar o significado dessa mesma prática.

4Nesta conjuntura inovadora, importava então, e em primeiro lugar, reavivar fantasmas antigos, implicando simultaneamente algumas questões decorrentes de um contexto mutável, como sejam: qual o capital que a etnografia traz para a investigação colectiva, enquanto se tenta definir um novo situar das fronteiras e de identidades disciplinares? Poderá ser o trabalho de campo uma ferramenta a utilizar, indiferenciadamente, por antropólogos e equipas de investigação multidisciplinares? Como? E que impacto terá essa utilização na antropologia, que sempre fez questão de reforçar a sua identidade com base na metodologia?

5É consequentemente, desde o início, um “problemário”, no sentido em que, acoplado a um registo íntimo e onde a antropologia se encontra sempre presente (na sua própria mutação, ainda que verbalmente ausente), se distancia simultaneamente da mesma, para chegar a públicos para os quais o peso disciplinar não é/não foi tão intenso, mas para quem o trabalho de campo, se não fundamental, é ponto a explorar. Referimo‑nos designadamente a equipas que pretendam adoptar esta metodologia e recolher o seu contributo para o desenho da pesquisa (research design) em projectos de investigação com equipas multidisciplinares (como é o caso dos autores desta recensão).

6Tal arrolamento de dimensões permite‑nos, ao longo da leitura, ir descortinando um livro denso e compósito, alimentando um imaginário de várias camadas em contacto permanente, das quais destacamos os ensaios intimistas de antropólogos em formação, a rica reflexão pessoal, epistemológica e pedagógica, o processo de investigação contemporâneo e a constituição da disciplina.

7O livro é composto por três partes: 1) reflexões de antropólogos sobre as suas primeiras experiências de trabalho de campo; 2) a ética actual de ser antropólogo; 3) como ensinar trabalho de campo nos tempos de hoje. Na primeira parte, somos confrontados com relatos provocadores de estudantes da Universidade de Rice à volta de dilemas como o que conta como trabalho no trabalho de campo, o que fazer com os dados que (supostamente) não podem ser usados, a construção de éticas de investigação, a relação do antropólogo com o objecto de estudo, e o aprisionamento do antropólogo em situações indefinidas, perdido no caminho entre o eu e o outro, cativo de uma investigação que continuamente se foca e desfoca no processo de definição de objectos e objectivos. São algumas experiências e relatos pessoais de estudantes de doutoramento que utilizaram o método etnográfico durante a elaboração das suas dissertações em antropologia para estudar casos contemporâneos, não antecipando as dificuldades e, consequentemente, sofrendo pelos desafios (considerados pelos próprios, em determinado momento, insuperáveis e academicamente não rentáveis) que encontraram pelo caminho. É dizer: aqui, ao contrário da esmagadora maioria de livros ou artigos, é permitido e rentabilizado o reconhecimento dos problemas com que se deparam investigadores em início de carreira, permitindo uma partilha empática dos mesmos, retirando‑os de um “falhanço pessoal” e recolocando‑os num quadro amplo de reflexão epistemológica. Este é um aspecto fulcral: ao contrário de uma investigação fechada, finalizada e limpa que nos é apresentada em 99% dos casos, aqui os dilemas são expostos e servem de base de reflexão, constituindo uma rara oportunidade de partilha, uma oferta invulgar de um investigador que se desnuda incomodamente antes do processo de pesquisa concluído.

8Contudo, são esses momentos recorrentes que constituem o garante da reprodução das regras das “boas práticas do/a bom/a antropólogo/a”, possuindo pois uma vertente estratégica, na medida em que é nesta primeira abordagem ao terreno que surgem as questões sobre a pesquisa e conceitos que desafiam os cânones da investigação tradicional.

9Na segunda parte do livro, à luz dos relatos apresentados, James Faubion reflecte sobre o que é ser um bom antropólogo actualmente. Usando como fio condutor a ética da conectividade, somos levados a pensar nos propósitos do projecto antropológico de conhecimento, dos tempos clássicos às perspectivas críticas que se sucederam. O que conta como bom trabalho de campo é situado num triângulo moral‑afectivo, epistemológico e ontológico, em que a concepção do projecto de investigação, a distância, proximidade ou colaboração estabelecida com “os outros” é entendida à luz da capacidade de produzir comensurabilidades e situar as dimensões do “caso” que estudam em relação a outros, mantendo viva a singularidade do caso particular numa topologia de relações, aberta a possibilidades de reconfiguração.

10Face a estes desafios, como ensinar o trabalho de campo? Na terceira parte do livro, dedicada a este tema, vários/as autores/as – entre as quais Kim Fortun, a autora de Advocacy after Bhopal: Environmentalism, disaster, new global orders – abrem as portas ao making of do processo de investigação, descrevem estratégias para dar forma a projectos etnográficos e disponibilizam acesso a recursos pedagógicos que fornecem a estudantes. Estas páginas finais estão repletas de informações que deverão fazer parte de qualquer seminário ou aula que seja baseada no ensino da metodologia do trabalho de campo.

11Em suma, é um livro repleto de experiências, referências bibliográficas e recursos essenciais para a reflexão crítica, aprendizagem e ensino do trabalho de campo, constituindo o seu pragmatismo e interdisciplinaridade um valor acrescentado. A sua contemporaneidade não deverá deixar indiferente quer antropólogos, quer investigadores de outras áreas, que nele poderão encontrar nódulos de intersecção que em muito traduzem a complexidade dos temas de pesquisa actuais.

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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Carlos Barradas e Rita Serra, «James D. Faubion e George E. Marcus (orgs.), Fieldwork Is Not What It Used To Be: Learning anthropology’s method in a time of transition. »Revista Crítica de Ciências Sociais, 93 | 2011, 199-201.

Referência eletrónica

Carlos Barradas e Rita Serra, «James D. Faubion e George E. Marcus (orgs.), Fieldwork Is Not What It Used To Be: Learning anthropology’s method in a time of transition. »Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 93 | 2011, publicado a 01 outubro 2012, consultado a 28 março 2024. URL: http://journals.openedition.org/rccs/1405; DOI: https://doi.org/10.4000/rccs.1405

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Autores

Carlos Barradas

Antropólogo e mestre em sociologia pela Universidade de Coimbra, integrando o programa de doutoramento Governação, Conhecimento e Inovação na Faculdade de Economia da mesma Universidade. É investigador júnior no Centro de Estudos Sociais e docente convidado no Instituto Politécnico de Leiria. Tem desenvolvido trabalho na área da antropologia médica, sociologia médica e estudos sociais da medicina e da saúde, interessando‑se também pela sociologia dos média e da cultura.
barradascarlos@ces.uc.pt

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Rita Serra

É investigadora do Observatório do Risco − OSIRIS e do Núcleo de Estudos sobre Ciência, Economia e Sociedade do Centro de Estudos Sociais. Licenciada em biologia e doutorada em engenharia química e biológica, desenvolveu investigação sobre a biodiversidade de culturas mediterrânicas agrícolas e florestais, tendo em vista a segurança alimentar e inovações biotecnológicas. Actualmente estuda riscos que resultam da interacção entre sistemas naturais e sociais, usando perspectivas dos estudos sociais da ciência.
ritaserra@ces.uc.pt

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